O estudo, publicado no Nature Communications, introduziu nos ratos uma variante humana de um gene chamado NOVA1, conhecido por sua relação com funções cerebrais. Essa mutação é exclusiva de humanos modernos, não sendo encontrada em espécies extintas como neandertais ou denisovanos. Quando a variante NOVA1 foi inserida no genoma de camundongos, observou-se que suas vocalizações ultrassônicas – sons emitidos fora do alcance da audição humana – tornaram-se mais complexas e variadas.

Em condições normais, ratos utilizam essas vocalizações ultrassônicas para comunicar necessidades básicas, como atrair a atenção da mãe ou durante comportamentos de cortejo. No entanto, no caso dos ratos geneticamente modificados, pesquisadores detectaram que as vocalizações não apenas mudaram em termos de frequência, mas também apresentaram sequências mais elaboradas, assemelhando-se a "cantorias" usadas para atrair parceiros.

O cientista Erich Jarvis, da Universidade Rockefeller, explica que essas mudanças são "emocionantes, pois mostram como um único gene pode influenciar drasticamente o comportamento vocal de uma espécie". Contudo, Jarvis também ressalta que essa mutação isolada provavelmente não é a única responsável pela evolução da linguagem em humanos, mas faz parte de um complexo mosaico genético.

Vocalizações ultrassônicas (USVs, do inglês Ultrasonic Vocalizations) estão presentes em várias espécies de animais, incluindo ratos, morcegos e golfinhos. No caso específico dos ratos, essas vocalizações desempenham um papel importante na comunicação social, desde a fase recém-nascida até a vida adulta. Os filhotes, por exemplo, emitem essas vocalizações para chamar a atenção da mãe, enquanto adultos as utilizam em interações sociais e reprodutivas.

No contexto do experimento, os camundongos portadores da mutação NOVA1 apresentaram mudanças significativas nesse repertório vocal. Cientistas criaram cenários de interação social entre ratos geneticamente modificados e ratos não modificados para analisar padrões de vocalização. Isso revelou que os "cantos" dos ratos com o gene humanoizado eram mais ricos em modulações, uma característica ausente nos ratos normais.

Desde Darwin, a ideia de que humanos compartilham certos ancestrais comunicativos com outras espécies impulsionou estudos sobre a origem da linguagem. A descoberta das vocalizações ultrassônicas "exclusivas" nesses ratos lança mais luz sobre os possíveis caminhos evolutivos que levaram à linguagem humana.

Os cientistas acreditam que genes como o NOVA1 e o famoso FOXP2 possuem interações críticas na regulação de funções cerebrais relacionadas ao aprendizado e à vocalização. O FOXP2, amplamente estudado por sua correlação com distúrbios de fala e linguagem em humanos, também foi investigado em pássaros canoros e outras espécies que exibem vocalizações complexas. Quando alterado em camundongos (como registrado em estudos semelhantes), influenciou seus padrões de vocalização, mas não de forma tão pronunciada quanto o NOVA1.

Esse avanço, portanto, é apenas o início de uma nova era científica. “Descobrir os componentes genéticos que moldam a fala humana vai muito além de encontrar um único gene mágico”, diz Robert Darnell, coautor do estudo. Segundo ele, esclarecer o papel de genes como NOVA1 ajudará a compreender as profundezas da evolução biológica da linguagem.

Outro ponto intrigante que o experimento provoca é sobre a inteligência e a consciência animal. Embora os ratos geneticamente modificados ainda estejam longe de "falar" no sentido humano da palavra, essas vocalizações complexas evidenciam como traços avançados de comunicação podem emergir sob influências genéticas.

Estudos paralelos com outros animais, como golfinhos, abelhas e morcegos, têm mostrado que a comunicação não humana é frequentemente subestimada em termos de complexidade. Por exemplo, as "canções" emitidas por golfinhos possuem padrões que lembram dialetos regionais, enquanto o famoso "dançar das abelhas" transmite orientações precisas sobre fontes de alimento.

O grande diferencial humano, segundo linguistas evolucionistas, está no aprendizado vocal. Diferente dos ratos, cujas vocalizações são amplamente instintivas, os humanos utilizam aprendizado vocal – ou seja, aprendem novos sons e combinam diferentes palavras para construir sentenças complexas.

Embora esses avanços sejam promissores, eles também levantam questões éticas sobre experimentos de edição genética em animais. Modificar o genoma de uma espécie para entender características humanas pode gerar dilemas sobre os limites entre os avanços científicos e o bem-estar animal.

Karen Bakker, especialista em estudos que envolvem interações entre humanos e outras espécies, pondera que tais descobertas devem sempre ser acompanhadas de protocolos éticos rigorosos. "O foco deve ser ampliar nosso entendimento sem causar sofrimento desnecessário aos animais".

Os cientistas alertam contra interpretações exageradas dos resultados. "Embora intrigante, este estudo não significa que estamos prestes a ensinar ratos a falar como humanos", concluiu Darnell.

A introdução do gene NOVA1 humano em camundongos demonstra como a genética influencia diretamente os padrões de comunicação entre espécies. Embora ainda haja um longo caminho para compreender completamente a complexa interação entre genes, vocalizações e aprendizado, essas descobertas contribuem significativamente para decifrar os enigmas da evolução humana e da linguagem.

Ainda que os "ratos falando" sejam um marco inovador, o estudo reforça a importância de abordar tais pesquisas com cautela e rigor ético. Afinal, entender a biologia da comunicação pode, no futuro, proporcionar ferramentas não apenas para compreender a linguagem, mas também para tratar distúrbios de fala e comunicação em humanos.

1. O que é o gene NOVA1?
NOVA1 é um gene encontrado em humanos e outras espécies, mas que apresenta uma variante exclusiva nos humanos modernos. Ele regula funções cerebrais relacionadas à comunicação e ao aprendizado.

2. Os ratos geneticamente modificados realmente falam como humanos?
Não. Eles emitiram vocalizações ultrassônicas mais complexas, mas suas vocalizações não são comparáveis à fala humana.

3. Por que este estudo é importante para entender a linguagem humana?
Ele oferece insights sobre os caminhos genéticos que podem ter contribuído para o surgimento da fala em humanos e ajuda a desvendar como a comunicação vocal evoluiu.

4. Quais são os desafios éticos desses experimentos?
Os desafios incluem garantir o bem-estar dos animais e definir limites para modificações genéticas, equilibrando avanços científicos e responsabilidade ética.

5. Esses avanços podem ajudar a tratar distúrbios de fala em humanos?
Sim, no futuro, esses estudos poderão contribuir para terapias genéticas voltadas a distúrbios relacionados à comunicação.

1. Tajima, Y., Vargas, C.D.M., Darnell, R.B et al. (2025). "A humanized NOVA1 splicing factor alters mouse vocal communications". Nature Communications. Acessado em 18 de fevereiro de 2025.

2. NPR, "How a uniquely human genetic tweak changed the voices of mice". Disponível em: NPR.

3. Darnell, R., Jarvis, E.D., et al. "Researchers identify a gene potentially linked to the evolution of spoken". Rockefeller University.

4. Gibbons, A. (2025). "'Eloquent’ mice point to protein that may have shaped human speech", Science. Science.org.